segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Cine-clínica na Unicamp


Mensagem para o Fórum de Cinema e Clínica (Unicamp)

Penso que o audio-visual pode abrir possibilidades inusitadas para a clínica e, por princípio, vejo positivamente toda e qualquer iniciativa de composição. Entretanto, insisto em alguns aspectos que, a meu ver, merecem ser tratados com rigor.
Primeiro em relação ao investimento em novos modos de expressão, conforme a consideração do Prof. Sérgio. Considero que o uso da imagem não garante necessariamente uma expressividade outra, se dissociada dos elementos substanciais e formais da narrativa cinematográfica. Não existe cinema se as imagens não são narrativizadas, de alguma forma. E sem cinema, não há emergência da arte da imagem, nem invenção de novas expressões, nem estetização da existência (conforme o terceiro gênero de conhecimento de Espinoza, para me servir do autor citado).
Assim, relembrando as 2 opções de desdobramentos bem apontadas pelo Altair, vejo como menos interessante a opção que instrumentaliza o video como ferramenta de pesquisa. Nesta hipótese, penso que a expressividade terá que provir de um campo outro, que não o próprio cinema. O que não penso ser de todo inviável, mas de alguma forma menos potente (dada a minha cinefilia).
Já a outra opção, considero mais desafiadora e muito mais arrriscada, sendo necessário uma empresa bem mais ampla. Trata-se de apreender, enfim, que existe um pensamento do cinema (antes de cineastas, tecnologias, filmes, produções, etc). Acredito ser possível servir-se deste pensamento mesmo sem fazer filme, mesmo sem ser profissional da imagem. A produção cinematográfica é uma convocação a pensar, independente das conseqüências. O cineasta é antes um pensador, alguém que recorta o real imergindo na duração. Como diria Tarkovski, fazer cinema é esculpir o tempo. Esta é a questão que considero vital: será que somos capazes de um pensamento cinematográfico? Será que somos capazes de apreender, em um corte, o movimento e o tempo real? Estas questões foram bem problematizadas por Deleuze (filósofo-cineasta que pensou o cinema e o pensamento, sem produzir um filme).
Por fim, considero também bastante pertinente a preocupação do Ricardo, que sinalizou algo sobre a relação com os usuários durante o processo clínico, o que remete às questões éticas que atravessam a clínica, mas também o cinema documentário (em que os personagens não são representados, mas vividos por “atores nativos”). Este ponto é muito rico, porque o olho tátil inventado pelo agenciamento homem-câmera precisa se produzir em ato e ser a visão de um ser da relação (o que acredito ser de grande interesse clínico). Não vejo como fazer uma hibridação de cinema e clínica de modo extrínseco, e acho que pensar as implicações da arte nas ações em saúde precede os aspectos técnicos e metodológicos de uma investigação desta natureza.
Em suma, acho que o problema é da ordem de um pensamento do cinema e, no campo da saúde, o horizonte é de alargamento das condições de experiência real da clínica.

Abraços,
Ale.

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