sábado, 22 de dezembro de 2007



Redes Idiotípicas e Anti-idiotípicas: Tolerância, Autoimunidade e Autopoiese

A filosofia faz surgir acontecimentos com seus conceitos, a arte ergue monumentos com suas sensações, a ciência constrói estados de coisas com suas funções. Um rico tecido de correspondências pode estabelecer-se entre os planos. Mas a rede tem seus pontos culminantes, onde a sensação se torna ela própria sensação de conceito, ou de função; o conceito, conceito de função ou de sensação; a função, função de sensação ou de conceito.

G. Deleuze e F. Guattari

Alessandro G. Campolina

2004

Autopoiese

Os seres vivos se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si próprios, o que indicamos quando chamamos a organização que os define de organização auto-poiética…

Os componentes moleculares de uma unidade autopoiética celular deverão estar dinamicamente relacionados numa rede contínua de interações. Atualmente se conhecem muitas transformações químicas concretas dessa rede e o bioquímico as chama, coletivamente, de metabolismo celular.

Esta dinâmica produz componentes e todos eles integram a rede de transformações que os produzem. Alguns formam uma fronteira, um limite para essa rede de transformações. Em termos morfológicos, podemos considerar a estrutura que possibilita essa clivagem no espaço como uma membrana. No entanto, essa fronteira celular tal como o tecido é o produto de um tear, porque essa membrana não apenas limita a extensão da rede de transformações que produz seus componentes, como também participa dela. Se não houvesse essa arquitetura espacial, o metabolismo celular se desintegraria numa sopa molecular, que se espalharia por toda parte e não constituiria uma unidade separada como a célula.

O que temos é uma situação muito especial, no que se refere às relações de transformação química: por um lado, é possível perceber uma rede de transformações dinâmicas, que produz seus próprios componentes e é a condição de possibilidade de uma fronteira; de outra parte vemos uma fronteira, que é a condição de possibilidade para a operação da rede de transformações que a produziu como uma unidade:

Dinâmica Fronteira

(Metabolismo) (Membrana)

A característica mais peculiar de um sistema autopoiético é que ele se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis…

Um sistema é autônomo se é capaz de especificar sua própria legalidade, aquilo que lhe é próprio. Não estamos propondo que os seres vivos são os únicos entes autônomos; certamente não o são. Porém, é evidente que uma das propriedades mais imediatas do ser vivo é sua autonomia. Propomos que o modo, o mecanismo que faz dos seres vivos sistemas autônomos, é a autopoiese, que os caracteriza como tal…O que lhes é peculiar é que sua organização é tal que seu único produto são eles mesmos. Donde se conclui que não há separação entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e isso constitui seu modo específico de organização (HR Maturana e FJ Varela).

Niels K. Jerne (1974) é considerado o verdadeiro autor do modelo cognitivo do sistema imunológico. A visão cognitiva da teoria da rede imunológica apresentada é fundamentada em duas premissas:

O sistema imunológico é constituído por um universo de imagens que só são reconhecidas por estarem expressas em uma linguagem conhecida pelo sistema;

O sistema imunológico se auto define, ou seja, ele é projetado para conhecer a si próprio.

Jerne não foi apenas responsável pela introdução da teoria da rede imunológica, ele foi também o primeiro pesquisador a apresentar uma formalização matemática para a sua teoria. Uma equação diferencial foi construída para descrever a dinâmica de um conjunto de linfócitos idênticos. Estes linfócitos idênticos foram denominados de linfócitos do tipo i, e Ni denotava a quantidade de linfócitos do tipo i. Os linfócitos do tipo i interagiam com linfócitos de outros tipos como, por exemplo, linfócitos do tipo j e também anticorpos do tipo j via idiotopos e regiões de ligação. As interações podiam ser estimulatórias ou inibitórias. As interações de diferentes tipos de linfócitos levariam, naturalmente, à geração de uma rede de linfócitos.

Definição1: O sistema imunológico é constituído por uma rede enorme e complexa de paratopos que reconhecem conjuntos de idiotopos, e de idiotopos que são reconhecidos por conjuntos de paratopos, assim, cada elemento pode reconhecer e ser reconhecido (Jerne, 1974).

Clausura Operacional

O funcionamento do sistema nervoso é plenamente consistente com sua participação numa unidade autônoma, na qual todo estado de atividade leva a outro estado de atividade nela mesma, dado que seu modo de operar é circular, ou em clausura operacional. É interessante notar que a clausura operacional do sistema nervoso nos diz que seu funcionamento não cai em nenhum dos extremos: nem o representacionalista nem o solipsista. (HR Maturana e FJ Varela)

A memória imunológica é tida como uma característica clonal, pelo menos no contexto de respostas secundárias, e o reconhecimento antigênico (diretamente relacionado à memória) é provavelmente a propriedade imunológica de maior apelo cognitivo. É possível afirmar que o sistema imune não apenas pode ser visto como um sistema cognitivo, mas também é capaz de complementar e/ou regular as capacidades neurais de reconhecimento e tomada de decisão através da percepção de estímulos que não podem ser detectados fisiologicamente de forma direta.

Ao invés de explicar os processos de sinalização celular e a interação de anticorpos, células e seus mecanismos efetores, a teoria de rede inicialmente proposta apresentava um novo ponto de vista sobre a atividade linfocitária, a produção de anticorpos, a seleção do repertório pré-imune, a distinção próprio/não-próprio e a tolerância imunológica, a memória e a evolução do sistema imunológico. Foi sugerido que o sistema imunológico é composto por uma rede regulada de células e moléculas que se reconhecem mesmo na ausência de antígenos. Este ponto de vista estava em conflito com a teoria da seleção clonal já existente naquela época, que assumia que o sistema imunológico era composto por um conjunto discreto de clones celulares originalmente em repouso, sendo que a atividade apenas existiria quando um estímulo externo se apresentasse ao organismo.

O elemento chave é o anticorpo, que atua como um antígeno através de domínios idiotípicos. Existe, portanto, uma imagem interna do universo antigênico. O reconhecimento mútuo entre os elementos do sistema imunológico (linfócitos B e anticorpos) forma uma vasta rede interconectada de elementos que se comunicam entre si, a chamada rede idiotípica ou rede imunológica.

Dessa forma, os elementos próprios provocam um determinado tipo de resposta, enquanto os não-próprios induzem outra resposta, baseada não na natureza intrínseca do não-próprio, mas no fato de que o sistema imunológico enxerga o antígeno externo no contexto de invasão ou degeneração.

Definição 2: O homúnculo imunológico é a imagem interna do próprio adquirida pelo reconhecimento primário dos antígenos próprios, tanto no timo, como na periferia (Cohen, 1992).

Acoplamento

Enquanto uma unidade não entrar numa interação destrutiva com o seu meio, nós, observadores, necessariamente veremos que entre a estrutura do meio e a da unidade há uma compatibilidade ou comensurabilidade. Enquanto existir essa comensurabilidade, meio e unidade atuarão como fontes de perturbações mútuas e desencadearão mutuamente mudanças de estado. A esse processo continuado, demos o nome de acoplamento estrutural. Por exemplo, na história do acoplamento estrutural entre as linhagens de automóveis e as cidades, há modificações dramáticas em ambos os lados, mas em cada um elas ocorrem como expressão de sua própria dinâmica estrutural, provocadas pelas interações seletivas com o outro. (HR Maturana e FJ Varela)

Tada, em 1997, cunhou o termo “supersistema” para designar sistemas vitais altamente integrados, como o sistema imunológico. Os diversos elementos de um supersistema se relacionam através de adaptação e co-adaptação mútuas entre seus componentes, criando um sistema dinâmico auto-regulado através de auto-organização. Trata-se de um sistema auto-contido, porém aberto a estímulos ambientais que podem ser traduzidos em mensagens internas para os processos de auto-regulação e expansão. Um supersistema é caracterizado pela sua auto-regulação, pela geração de seus diversos tipos de componentes através de processos estocásticos seguidos de seleção e adaptação (conseqüências da auto-organização), individualidade e tomada de decisão em resposta a estímulos internos e externos.

As águas de um rio vão abrindo o seu trajeto por entre os acidentes e as irregularidades do terreno. Mas este também ajuda a moldar o itinerário, pois nem a correnteza nem a geografia das margens determinam isoladamente o curso fluvial: ele se estrutura de um modo interativo, o que nos revela como as coisas se determinam e se constroem umas às outras. Por serem assim, a cada momento elas nos surpreendem, revelando-nos que quilo que pensávamos ser repetição sempre foi diferença, e o que julgávamos ser monotonia nunca deixou de ser criatividade” (Humberto Mariotti).

As Redes Imunológicas

Por fim, é possível destacar três características das redes imunológicas:

· Estrutura: responsável pela descrição dos padrões de interconexão entre seus componentes celulares e moleculares, desconsiderando as conseqüências destas interações. Os eventos importantes são os próprios elementos do sistema e não suas interações;

· Dinâmica: a dinâmica da rede imunológica trata as interações entre os diversos componentes do sistema: as variações das regiões-V como resultado das interações mútuas e ações recíprocas entre as células e moléculas da rede;

· Metadinâmica: uma propriedade única do sistema imunológico, que vai além da dinâmica de rede, é a contínua produção de novos anticorpos. Como mencionado anteriormente, qualquer novo elemento possível, mesmo que sintetizado artificialmente, pode interagir com o sistema imunológico. Existe uma constante renovação do repertório linfocitário e, conseqüentemente, da estrutura da rede via o recrutamento destes novos linfócitos e a morte de elementos não estimulados ou auto-reativos. A metadinâmica representa o potencial que o sistema imunológico possui de introduzir diversidade, garantindo sua capacidade de combater novos antígenos.

Ko.yaa.nis.qatsi (da língua Hopi)

1. Vida louca. 2. Vida tumultuada. 3. Vida em desintegração. 4. Vida desequilibrada. 5. Um estado de existência que exige outro modo de viver.

AS PROFECIAS HOPI

Se escavarmos coisas preciosas da terra, estaremos chamando o desastre. Perto do dia da purificação, haverá teias de aranha prolongando-se de um lado para outro do céu. Um recipiente de cinzas poderá um dia cair do céu e poderá queimar a terra e agitar os oceanos.

Bibliografia:

Cohen IR (1992). “The Cognitive Paradigm and the Immunological Homunculus”, Imm.Today, (Vol. 13 / 12 ).

Deleuze G, Guattari F (1991). O que é a filosofia? Editora 34 (Ed.).

Jerne N K (1974). “Towards a Network Theory of the Immune System”, Ann. Immunol.

(Inst. Pasteur) (Vol. 125C).

Maturana HR, Varela FJ (1984). A árvore do conhecimento. Palas Athena (Ed.).

Reggio G (1983). Koyaanisqatsi. MGM (Est.).

Tada T (1997).“The Immune System as a Supersystem”, Ann. Rev. Imm., (Vol. 15).

Varela FJ, Coutinho A, Dupire E, Vaz NN (1988). “Cognitive Networks:

Immune, Neural and Otherwise”, Theoretical Immunology, Parte Dois, A. S. Perelson (Ed.).

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Curso: Cinema, pensamento e clínica

Para 2008 estou preparando o curso de cinema que entrará em ressonância com o cinema nômade, o laboratório de tecnologias relacionais e a curadoria de cinema documentário do MIS de Campinas. A idéia é cartografar filmes que sirvam de casos-problemas para o território híbrido do pensamento e da clínica.

A programação deve passar pelas seguintes temáticas, estando o primeiro módulo previsto para o segundo semestre de 2008:


Imagem e narrativa; semiótica imagética deleuziana; taxonomia das imagens: imagens-movimento e imagens-tempo; processos imaginários, imagéticos e imaginativos no cinema; narrativas verídicas e narrativas falsificantes; cinemas fechados, cinemas abertos, cinema nômade; problematização, dividuais, tendências materiais e espirituais no cinema; espaço-tempo diegético e imagético; limiares fronteiriços entre o ficcional, o documental e o experimental: a zona de indiscernibilidade; plano, enquadramento e montagem; ritmo, polifonia, modos e qualidades documentais; “Simul-ações” e “Docu-mentiras”; potência do falso, fabulação e discurso indireto livre; “cine-matéria” , “cine-olho”, “cine-verdade”, “cine-transe”, “cine-memória” , “cine-clínica”; a "doença" documental; as mnemotécnicas dos personagens fabulosos; poéticas híbridas e hibridações de cinema e clínica; performatizações: ínstase e êxtase, encontro e ato; tornamentos, autopoiesis e auto-mise en scène cine-clínica.


Módulo : A imagem em crise
A semiótica imagética
Hitchcock, Rosselini e Welles
Dividuais, afrouxamentos e presentificações
Cinema: movimento e tempo


Acompanhar pelo: http://escolanomade.org/tiki/tiki-index.php

Terra em Transe no Cinema Nômade


Para que não nos matem a verdade, é melhor morrer de poesia. O poeta-gurreiro Paulo Martins percorre o entre-imagens do universo convulviso de Eldorado, o continente tropical de Terra em Transe. Embriagado do populismo demagógico e do autoritarismo profético, o personagem central ressoa com o ritmo delirante das imagens inquietas de Glauber Rocha, descentrando os avatares do cinema e re-encontrando as condições do dizível e do cantável. Vigorosa e visionária alegoria política sobre o Brasil e a América Latina. Polifonia barroca de diversas culturas. Um filme sem concessões, caótico, polêmico, feito sem a intenção de agradar a quem quer que seja. Para o cineasta Joaquim Pedro de Andrade, "o poeta é o guerrilheiro, pois o povo de Eldorado não assume posição crítica diante de seus problemas e os grandes heróis se fazem com a morte. A morte como fé e não como solução. Assim, a morte do poeta é morte-vida, e não é possível viver quando não se está disposto a morrer por uma idéia, por um amor, por um povo, por um amigo" Terra em transe é a golfada hedionda contra uma gente vigilâmbula, o salto, o grito e o canto para uma terra e para um povo, um povo que falta.

Notícias de uma máquina singular



A máquina-experimento para rastreio, edição e projeção de material audio-visual já encontra-se em atividade no Copan-Hack-Lab-Nômade. Operando em plataforma de software livre, inicaremos testes e oficinas a partir de janeiro de 2008. No Campus Party estaremos fazendo o lançamento oficial. Os desdobramentos poderão ser acompanhados através do Laboratório de Tecnologias Relacionais da Escola Nômade.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Co - Laboratório de Tecnologias Relacionais


Este laboratório investe na criação/produção individual e/ou coletiva da superfície de registros que é a condição de multiplicação e continuidade dos processos inventivos, cujas expressões são criadas concomitantemente a sua atualização nos acervos da multiteca, editora e portal. Para isso pode-se servir das ferramentas do seu portal em software livreexternal link e interativo (wikiexternal link) que tornam possíveis também encontros a distância, possibilitando o acesso dos atores envolvidos ao expressarem suas atividades e necessidades que acabam se compondo numa produção coletiva. Trata-se de um processo que se pretende avançar em práticas e interações de educação não formais - presenciais e a distância - por meio de programas de ação e parcerias que incluam pesquisas necessárias à aplicação das novas tecnologias de comunicação e de informaçãoexternal link direcionadas à educação.

Participe com a gente através do site:
http://escolanomade.org